Resenha: Uma Criança Surpreendente de Torey Hayden

Título: Uma Criança Surpreendente
Autor: Torey Hayden
Editora: Rocco
Páginas: 226
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Sinopse: Quando a professora Torey pensava ter conseguido administrar as oito crianças de sua turma especial, contando apenas com a colaboração de um imigrante leigo e de uma adolescente voluntária, a personagem mais importante entra em cena: uma ferinhade seis anos de idade, abandonada pela mãe e maltratada pelo pai, que amarrara um garotinho de três anos numa árvore apenas para incendiá-lo. Enxertada no programa para crianças com distúrbios emocionais graves, que ficou conhecida como a “turma do lixo”, Sheila logo se tornaria um desafio muito além de todos os recursos oferecidos pelas ferramentas pedagógicas ou psicológicas. Ao aceitá-la na turma, Torey se envolve numa luta pessoal, por vezes maior do que ela mesma, e se entrega a uma relação de amor e crescimento em que os limites humanos são constantemente testados. Considerada por seus superiores como uma educadora fora dos padrões, Torey consegue transformar aquele “lixo” num tesouro, e uma menina selvagem e desprezada numa criança valorosa que consegue vencer as resistências e romper as barreiras do impossível.

Um olhar confiante, palavras de incentivo, um sorriso. A segurança de braços firmes, a delicadeza de um afago no ombro, a doçura de um roçar de lábios na testa. São coisas tão pequenas, quase desvalorizadas. Pouco que significa tanto, ou até tudo. São esses gestos singelos que podem fazer a diferença para alguém. Melhorar seu dia, sua semana, e por que não sua vida. Atenção, tempo, carinho. Foi isso que transformou Sheila Renstad, uma menina que vivera coisas terríveis, que ninguém jamais deveria ter de viver, em uma pessoa diferente. Em uma pessoa melhor. E tudo porque alguém, contra todas as possibilidades, se importara o suficiente.
Torey era uma professora jovem. Visionária, não deixava-se envolver pela máxima de que os educadores não deveriam se apegar aos alunos. Cheia de ideias criativas, ela se doava totalmente a sua turma, composta de oito crianças emocionalmente instáveis, que possuíam complicações mentais.

Sheila era uma criança difícil e indócil. Fora abandonada pela mãe e vivia com o pai alcoólatra, de quem sofria constante violência física. Arredia e violenta, a menina tinha furiosos ataques de raiva, nos quais destruía tudo que houvesse pela frente. Porém, o limite foi ultrapassado quando Sheila atraiu seu vizinho, mais novo do que ela, amarrou-o a uma árvore e pôs fogo. Como a ala infantil do hospital psiquiátrico estava lotada, Sheila precisou ser posta em uma sala de aula, para esperar. Seu destino foi a turma de Torey.

A princípio, a professora sentiu-se horrorizada, o que foi reforçado pelo comportamento terrível de Sheila, que além de outras coisas, se recusava a participar de qualquer atividade e não contava com o mínimo de higiene pessoal. Mesmo assim, Torey não desistiu. Aos poucos, sua persistência trouxe resultados. Começava a surgir uma garota vivaz, inteligente e alegre, que apesar de terrivelmente ferida, poderia desabrochar e tornar-se uma criança brilhante. Contudo, os problemas continuarão a aparecer, e Torey aprenderá a contornar cada um deles, a fim de provar que Sheila é muito mais do que parece.

Nesse ínterim, a própria Torey embarcará em uma profunda jornada de auto-conhecimento e desenvolvimento pessoal. A narração é feita em primeira pessoa, por Torey. Ela descreve, com detalhes e sentimentos, delicadeza e firmeza. O ritmo é agradável, com um certo tom confessional, até íntimo. Este não é um livro escrito para ter finais felizes e nem para trazer uma mensagem cor-de-rosa, mas sim para relatar os fatos, duros e intragáveis, assim como eles são. O livro termina ao fim de um certo período, e anos depois, tem sua continuação em "Filha de tigres", também publicado pela Rocco.
"Nada do que eu pudesse fazer, mesmo que trabalhasse com Sheila até o fim de minha carreira de educadora, poderia garantir sua felicidade. Só ela poderia fazer isso. Tudo que eu podia lhe dar era o meu amor e meu tempo."
Esta é uma leitura forte, às vezes cruel. Sua trama é chocante, densa e pesada, mas o que torna mais difícil sua assimilação é o fato de que esta é uma história real, de que histórias como a de Sheila possam existir no mundo em que vivemos. Por outro lado, é animador perceber que ainda existem professores comprometidos dessa forma com o ensino, capazes de entregar-se totalmente.
"Porém, basicamente, eu era uma sonhadora. Além do comportamento incompreensível das crianças e de minha própria vulnerabilidade, além do desânimo, das dúvidas pessoais, pairava um sonho que raramente se realizava, um sonho de que as coisas poderiam mudar. E, sendo uma sonhadora, meu sonho era duro de matar."
É incrível acompanhar o desenvolvimento do relacionamento de Torey com Sheila, as minúcias e as lutas diárias são simplesmente inspiradoras. Torey aprende com Sheila da mesma forma que Sheila aprende com ela e da mesma forma que nós, leitores, aprendemos com o dia-a-dia das duas. Além disso, os outros personagens não passam despercebidos, cada um contribui a sua maneira.
"- Porque não sou eu que te faço boa. É você. Eu só estou aqui para que você saiba que alguém se importa se você é boa ou não. Que alguém se importa com o que acontece com você. E independentemente de onde eu esteja, sempre me importarei."
Uma criança surpreendente não começou como livro. Era apenas um relato de uma amante das letras, para que ela pudesse guardar consigo aqueles momentos tão especiais com sua aluna. Mas acabou sendo publicado e com certeza foi uma decisão acertada. A humanidade daquelas crianças nos toca profundamente. Estou enfrentando grande dificuldade para encontrar palavras que me ajudem a transmitir um pouco da essência deste livro. Penso em superação, determinação, força. Mas nada é suficiente. Tudo sempre volta para amor. Amor que redime, que resgata, que transforma. Amor de uma professora por seus alunos, pela vida, pela sala de aula.
"Meu trabalho com os emocionalmente perturbados deixara sua marca profundamente calcada em mim. A despeito das noções corriqueiras, eles estavam longe de serem frágeis. O fato de terem sobrevivido já era um testemunho disso. Se lhes são dadas as ferramentas que tantos de nós subestimamos, o amor, apoio, confiança e auto-estima que freqüentemente nem notamos possuir, eles vão além da sobrevivência para serem bem-sucedidos."
Uma leitura indicada a todos que estão dispostos a encarar algumas realidades e depois, os seus próprios pensamentos e ações. A cada página virada, esta história marca. Mostra que nós, também, podemos fazer um pouco mais pelo próximo. Que as pequenas coisas se tornam grandes para quem nada tem. Que o mundo precisa de pessoas que estendam as mãos e que não tenham medo de enfrentar algumas barreiras para ajudar aos outros. Perseverança, dedicação e também alguns erros construíram essa história que hoje nos serve de lição. 

Para os profissionais que escolheram trabalhar com crianças mentalmente prejudicadas, para as próprias crianças e seus pais. Respeito, jamais piedade.


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